Convulsões Febris, a experiência de um Pediatra.
30 de janeiro de 2013
Este foi um episódio que ocorreu com um Pediatra, um exemplo de como geralmente ocorre uma Convulsão Febril. Noutro artigo contarei a minha experiência que pode ser a sua também.
"o último banco recebi um bebé que tinha tido uma convulsão com febre, o Tomás.
As convulsões febris são extremamente frequentes, e têm um prognóstico muito bom. Acontecem mais frequentemente em filhos de pais que tiveram convulsões febris na infância. Geralmente a convulsão surge na subida térmica, e os pais só se apercebem da febre já durante ou após a convulsão. Começa de repente, e caracteriza-se por "abanões" dos braços e pernas, por vezes com "revirar dos olhos" e "espumar da boca", com o corpo tenso. Geralmente duram pouco tempo (5 minutos, mais coisa menos coisa - o que parece, eu sei, uma eternidade aos pais) e segue-se um período de grande sonolência, discurso incoerente, olhar vago, a que chamamos "estado pós-crítico". Depois devagarinho voltam a si, e recuperam o estado geral que tinham antes da convulsão. Só nesta altura a maioria dos pais começa a ficar um pouco mais tranquilo. A maioria das crianças com convulsões febris tem apenas um episódio, mas mesmo da minoria com episódios repetidos são muito poucos os que efectivamente têm uma epilepsia. Daí que, se a crise é típica, só após o primeiro episódio vale a pena fazer exames complementares de diagnóstico (electroencefalograma, por exemplo). A longo prazo não há qualquer consequência das convulsões febris. Em regra estas crianças são internadas, durante menos que 24h, fundamentalmente para que os pais vão "entranhando" essa noção de benignidade das convulsões febris. Vêm o filho deles bem disposto, ouvem a mesma coisa de múltiplos profissionais, e ficam então preparados para voltar a casa.
A maioria dos pais vêm na convulsão um evento muito perigoso. Não os censuro, é um episódio extremamente stressante, em que os pais têm a sensação de que os filhos (chamemos as coisas pelos nomes) vão morrer. Tentam uma série de coisas para evitar a mordedura da língua (o que já agora não se faz: nunca se coloca nada na boca de alguém com uma convulsão!), e esquecem-se de os proteger (impedir que caiam da cama, ou que batam nos móveis). Por vezes abanam as crianças (uma reacção também natural mas errada), o que pode por si provocar muito mais lesões que a convulsão em si. Depois esquecem-se, na aflição, de colocar os cintos de segurança no automóvel, e conduzem como loucos para o Hospital mais próximo - sujeitando-se a acidentes graves sem que a criança vá adequadamente presa...
O Tomás teve a sua primeira convulsão febril, e os pais levaram-no para a Urgência Pediátrica. Quando lá chegou já tinha cessado a convulsão, e ficaram por isso a aguardar a minha observação (a maioria das convulsões entra directamente para a sala de "reanimação", dado o aparato de que se revestem). Quando o chamei, depois de ter lido a informação da triagem, esperava a habitual entrada de rompante, com pais lavados em lágrimas e crianças sorridentes nos braços. Em vez disso, no entanto, entraram dois pais jovens, serenos, que me sorriram ao entrar, cumprimentando-me. O Tomás vinha ainda um pouco abananado, ainda vagamente em pós-crítico. Um pouco surpreendido continuei a fazer as perguntas da praxe, e concluí que se tratava de facto de uma provável convulsão febril. Ao observar o Tomás, então já de sorriso escancarado, arrisquei: "Então qual dos pais é que teve convulsões febris em pequeno?". Fora a mãe. Confrontei-os com a surpreendente calma com que entraram, e retorquiram que, apesar do stress provocado pelo episódio, o facto de o pai ser Bombeiro tinha-os feito ver a situação de forma um pouco diferente. Compreenderam muito bem todas as implicações daquela situação, e no final resolvi (já que se encontravam tão calmos) propor a alta imediata. Abri-lhes as portas, que se quisessem e não se sentissem tranquilos ficavam lá essa noite, mas que para o Tomás era sem dúvida melhor estar num ambiente conhecido, que não havia risco, que a única intenção do internamento seria conferir-lhes tempo para encarar a situação com naturalidade. Entreolharam-se e disseram em coro "Então vamos para casa". Despedidas, e lá foram eles, serenos como entraram.
E eu fiquei um pouco mais bem disposto (dentro do que se consegue estar com 60 horas de trabalho - na sua maioria nocturno - em 5 dias)."
in http://desabafosdeummedico.blogspot.pt
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