Entrevista: Por que escolhi ser Mãe a tempo inteiro?

31 de outubro de 2014


Por que escolhi ser mãe a tempo inteiro

Um filho nasce e a vida de uma mulher transforma-se. Durante os meses que se seguem, estar 24 horas por dia com aquele ser pequeno e frágil é assoberbante mas poucas são as mães que abdicariam de cada momento.
Terminada a licença de maternidade, a maioria acaba por regressar ao trabalho, mas há mães que decidem ficar em casa e tornarem-se cuidadoras a tempo inteiro. Por opção ou por força das circunstâncias ser mãe a full time é a sua profissão nos primeiros anos de vida das suas crianças.
“Escolhi ser mãe a tempo inteiro. Os meus dias e horas são preenchidas e organizadas de acordo com a minha filha, brincamos, conversamos, rimos, trocamos mimos e enquanto ela brinca ou dorme, eu trabalho”. Para Fernanda Velez, 33 anos, ser mãe nunca foi uma prioridade apesar de estar nos seus planos. Licenciada em marketing e com uma vida ocupada com a carreira, escutava pela primeira vez o relógio biológico aos 30 anos. “Nessa altura, comecei a pensar que idealmente gostava de poder dedicar-me a 100% e acompanhar de perto os primeiros anos de vida de um filho”, conta ao Life&Style.
Com a gravidez o que era uma possibilidade tornou-se um desejo “ainda mais evidente” e a venda da empresa onde trabalhava acabou por ser a “oportunidade ideal para sair” e dedicar-se à família. Fernanda concentrou-se na Carlota, agora com três anos, a quem se viria junta, este ano, Carminho.
Ser "só mãe" ganhou outro sentido
Ter filhos também não era uma hipótese afastada por Sara Patrão, mas esta antiga livreira e relações públicas recusava seguir os passos da mãe e ficar em casa “só a tratar dos filhos". A dois anos dos 30 o ser “só mãe” ganhou outro sentido. Tinha nascido o João. “O destino levou-me a ser mãe a tempo inteiro. Eu já trabalhava por conta própria e depois quando nos mudámos por opção da cidade para o campo percebi que podia trabalhar a partir de casa”, explica Sara. A ideia de trabalhar e ver os “filhos crescerem ali mesmo pertinho” (agora havia também o André) foi “reconfortante” e vingou.
Com a mudança de vida para a zona de Santarém, uma das preocupações de Sara e do marido era passar “tempo de qualidade” com os filhos, serem “pais presentes”. Ambos passaram a trabalhar por conta própria, sem prisões a escritórios e horários.
Questão financeira
A troca da vida da cidade pela do campo foi igualmente a decisão de Belinda Sobral e do companheiro. Engenheira do Ambiente e técnica superior de Higiene e Segurança no Trabalho despediu-se e mudou-se para Grândola. Partilhava com o companheiro o gosto de viajar e foi o que fez inicialmente, até ter ficado grávida. “As mudanças foram acontecendo e a dada altura dei por mim a desistir de um grande sonho que construí, a recuperação da mercearia da minha família, para me dedicar à minha filha e ao meu companheiro e claro, a mim mesma”, diz Belinda, 31 anos, mãe de Melinda, 3.
A questão financeira é posta em cima da mesa quando se coloca a hipótese de uma mulher ficar em casa a cuidar dos filhos. Algumas famílias podem ter capacidade económica para facilmente tomar a decisão mas a maioria tem consciência que isso irá significar grandes sacrifícios. No caso de Belinda foi isso que aconteceu. “Não foi por ter muito ou pouco dinheiro que escolhi dedicar-me mais à minha família. O dinheiro é importante para vivermos nesta sociedade e por isso também mudei alguns dos meus hábitos de consumo para puder viver assim. Fiz escolhas”, explica.
Estabelecer prioridades no consumo passou também a fazer parte da vida de Vera Agostinho. Licenciada em Jornalismo, nunca conseguiu exercer a profissão. Foi como empregada de mesa num restaurante que se iniciou no mundo do trabalho. Ao fim de um ano foi promovida a gerente. Pouco depois soube que esperava uma menina. Nos quatro meses que se seguiram ao nascimento da Maria, a ansiedade criada com o fim da licença de maternidade aumentou. “Tanto eu como o pai entendemos que não fazia sentido voltar a trabalhar, sendo que grande parte do meu ordenado seria para pagar a creche. A ideia de eu ficar com ela fez-nos sentir mais tranquilos, por isso pedi a demissão”.
Ser mãe a tempo inteiro, com menos um salário a entrar em casa, trouxe dificuldades económicas, principalmente quando nasceu o segundo filho. “Quando o Miguel nasceu contávamos tostões. Nunca lhes faltou nada, mas lembro-me de dias, ali quase no fim do mês, em que um pacote de fraldas fazia toda a diferença. Hoje felizmente já não é assim, mas para eu ser mãe a tempo inteiro abdicámos de muitas coisas. Nem diria abdicar: habituamo-nos a viver sem elas, não sinto falta de ir ao cinema, nem de jantar fora”, sublinha ao Life&Style.
Mães que trabalham vs mães a tempo inteiro
Se para algumas mães ficar em casa com os filhos é o passo certo, para outras regressar ao trabalho é o passo lógico. Seja porque querem continuar a carreira, ter independência económica ou por família precisar do seu salário, a mãe entrega o filho aos cuidados de creches ou avós e o dia-a-dia passa a ser dividido entre o trabalho, família e tarefas domésticas.
Criar uma criança e manter activa uma carreira é possível, dirá grande parte das mulheres. E as mães que preferem dar prioridade à família como ficam aos olhos da maioria? Há complexos de inferioridade quando comparadas a mães que trabalham? “As pessoas têm ideias muito românticas sobre ser mãe a tempo inteiro, ou então ser ‘coisas de dondoca ou gente rica’ e isso nem sempre corresponde à realidade, às vezes é bem duro, pode ser até bastante desgastante e desvalorizado”, comenta Sara.
Vera partilha da mesma opinião e lamenta que às vezes a olhem “como se fosse inferior”. “Mas no fim do dia não me lembro disso, só me lembro que os aproveitei bem. E sei que trabalho bastante: cuido deles e da casa, raramente peço ajuda. Eles vão crescer depressa e eu não trocava o tempo que passo com eles por carreira nenhuma. No dia em que nos faltar dinheiro para o que é essencial para eles eu volto a servir à mesa”.
Estas mães consideram que existe um preconceito em relação às mulheres que optaram por ficar em casa. Defendem a “profissão” que têm e o seu contributo para a família. Todas admitiram a possibilidade de voltar ao mercado de trabalho mas não para já.
Mulheres nunca estiveram em casa
Questionámos a socióloga e investigadora no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa Anália Torres sobre se se poderia falar numa tendência quando parecem surgir mais casos de mães a tempo inteiro. A investigadora sublinhou a importância de lembrar que o ideal de família foi durante muito tempo a permanência da mulher em casa a cuidar dos filhos, mas que esta era uma ocupação maioritariamente exercida por mulheres de famílias abastadas. As restantes exerciam actividades laborais, ainda que o seu “contributo tenha permanecido invisível durante muito tempo”.
Nas investigações que desenvolveu, a socióloga afirma que a maioria das mulheres que entrevistou mais do que trabalhar por necessidade económica, afirmaram que estavam empregadas para ter contacto com outras realidades, além da vida em casa com os filhos. Se recuarmos algumas décadas, as mulheres conseguiram estar entre a força de trabalho do país e acabaram mesmo por “ocupar os postos de trabalho ocupados pelos homens”, na agricultura ou em fábricas, mas também trabalhavam em serviços domésticos ou ao lado dos homens em actividades comerciais, situações que aumentaram, por exemplo, no período da guerra colonial e com o aumento da emigração masculina em busca de melhores trabalhos e salários.
Anália Torres sublinha que a realidade de há meio século atrás não tem paralelo com a actual. A socióloga não considera que se esteja a regressar aos ideais do passado e que haja uma “tendência generalizada para as mulheres optarem agora por ficar em casa a cuidar dos filhos”, apesar da crescente valorização da criança no seio familiar. “Os discursos sobre a valorização do papel da maternidade e desenvolvimento da família estão sempre a aparecer”, diz, mas há de facto “pessoas para quem o seu papel fundamental é o ser mãe”. “Em alturas de crise aparece sempre esse tipo de discurso. Mas na verdade, em termos de investigação nacional e internacional o ter um trabalho é sempre uma questão de importância para as mulheres”.
No caso de Fernanda essa necessidade surgiu quando a primeira filha tinha quatro meses. Foi sempre uma bebé calma o que permitia a Fernanda ter tempo para si e para desenvolver projectos. Foi assim que surgiu o Blogue da Carlota. Com milhares de visitas por dia, o blogue tornou-se uma espécie de ocupação profissional, que passou depois a negócio. “Sinto-me privilegiada por poder trabalhar com as minhas filhas perto de mim. Mas não haja ilusões, é extremamente difícil e extenuante conciliar tudo!”
Belinda pensa em voltar a trabalhar mas segundo algumas condições. “Vou tentar sempre fazer o que gosto e que me permita ter tempo para a minha família e para mim”. Por agora considera que “nenhuma profissão” lhe dá o mesmo prazer que ser mãe.
Já Sara sente falta de um emprego fixo, mas por “motivos monetários apenas”. É autora do blogue e página no Facebook “Profissão Mãe” e do sitedobebe.com, criados a partir da necessidade de partilhar experiências ouvir as opiniões de outras mães e ajudar através de explicações de especialistas. A partir de casa gere os dois mundos online que a levam também a muitos contactos fora de portas, um pouco por todo o país. “No geral estou a gostar desta aventura de ser ‘apenas’ mãe, apesar de já ter escrito em alguns livros, ter plantado árvores e ter filhos... ainda tenho um caminho a percorrer além do meu papel de mãe!”.
Uma minoria entre mulheres
Vera colocou na balança o que “ia ganhar e o que ia perder” se estivesse empregada e chegou à conclusão que acompanhar os dois filhos era mais recompensador. Para já, não sente “falta nenhuma” de ter um emprego. “Penso vir a trabalhar quando os dois forem para a escola”, afirma. O dia-a-dia é ocupado com os filhos e com o blogue Eu, ele e a maria, onde regista as actividades que cria para os filhos e as experiências de ser mãe.
Vera coloca, no entanto, uma questão: “Agora será que alguém me vai dar trabalho depois de eu ter estado estes anos parada? Não sei. Ser mãe a tempo inteiro deveria ser uma boa referência mas tenho a certeza que será um entrave”.
Mãe a tempo inteiro ou desempregada?
Filomena dos Santos, professora na Universidade da Beira Interior e investigadora no Centro de Investigação e Estudos de Sociologia no Instituto Universitário de Lisboa, afirma que as mães a tempo inteiro são uma “minoria”, mas é necessário “compreender as suas experiências subjectivas, as suas razões, por um lado, e as condições objectivas, por outro”. “Nada sabemos sobre se o fenómeno está a crescer por efeito da crise e do desemprego”, acrescenta.
Para uma mulher, observa a investigadora, é “mais gratificante declarar-se doméstica e mãe a tempo inteiro do que desempregada e é uma mistura entre opção voluntária e força das circunstâncias”. “Para elas, mais do que para eles, ser mãe a tempo inteiro e o desempenho do papel parental continua a representar um ganho identitário. Os homens preferem continuar a declarar-se desempregados. Os homens domésticos, que também os há não deixam de sentir algumas dificuldades na negociação da sua masculinidade”.

Também Filomena dos Santos sublinha que os estudos da área da sociologia da família e do género mostram que a maioria das mulheres “ambicionam não depender dos maridos e recusam-se a construir a sua identidade pessoal apenas com base na esfera da família, como esposas e mães”. Mesmo as que têm menos qualificações e baixos salários sabem que “trabalhar fora de casa é um factor emancipatório e representa um ganho pessoal”.
Valorização da criança na família
Para a investigadora da Universidade da Beira Interior, as “mudanças verificadas no lugar das crianças e a centralidade dos filhos nas famílias portuguesas”, ao contrário do que acontecia no país antes do 25 de Abril, podem explicar o que leva uma mulher a tornar-se mãe a tempo inteiro.
Os pais centram os seus esforços na resposta às necessidades básicas, afectivas e de educação da criança e cada vez mais no seu desenvolvimento pessoal através de uma série de actividades para além das da escola. “Hoje, tendo em conta a baixa natalidade, as crianças são um bem escasso, e a ideia de uma infância protegida intensifica-se”, observa.
“Todos os filhos ganham mais quando têm os pais mais perto”. A frase é da mãe Belinda Sobral e é comumente proferida quando se fala no que é melhor para uma criança. José Morgado, professor no Departamento de Psicologia da Educação do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, concorda mas sublinha a importância da qualidade dos cuidados prestados a um filho.
’Ter uma mãe a tempo inteiro não quer dizer que, só por estar nessa situação, seja um factor muito significativo, como também não pode afirmar-se que, quando a mãe acaba de cumprir a licença de maternidade, e regressa à carreira profissional, as crianças corram riscos relativamente ao seu desenvolvimento. Tudo depende da qualidade dos cuidados que recebem”, sustenta ao Life&Style.
Defensor do aumento do tempo de licença de maternidade e do trabalho a tempo parcial para as mães, José Morgado observa, no entanto, que a “opção mãe a tempo inteiro não tem que ser sobrevalorizada, primeiro, porque a situação só por existir não tem que ser necessariamente boa, segundo, a mãe a ‘tempo parcial’ não têm que necessariamente fazer um ‘mau trabalho’ de mãe e, terceiro, a sobrevalorização da situação pode criar mecanismos de culpabilização e insegurança às mães que não consigam, por várias razões, assumir esta situação”.
“[Ser mãe] é ter os dias com fraldas a secar, beijos dados sem parar, sorrisos que enchem o vazio de uma vida profissional deixada para trás. É a minha nova profissão em full-time. Onde não cumpro horários mas tenho de chegar sempre a horas. Onde a minha hora de almoço passa para depois e onde o ordenado é sempre o mais valioso. Onde o tempo passado em frente ao espelho escolhendo aquela peça de roupa dá lugar a uma qualquer combinação que não teve tempo para obter aprovação do mesmo. Não que me tenha esquecido. Não que não queira ter uma profissão. Mas é agora que posso ser mãe em full-time”, Belinda Sobral no blogue Na minha mercearia.




Podem ler a entrevista aqui.





                                    

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Comments

  1. Ola Belinda Sobral

    Adorei o post.

    Identifiquei-me consigo, porque tambem decidi ficar em casa a tomar conta do meu filho hiperativo.

    Felizmente aprendi a blogar e a ganhar dinheiro com os meus blogues.

    Agora posso me dedicar a 100% a ser mãe, pois tenho disponibilidade para o fazer.

    Eis aqui a minha historia: http://www.becasferreira.com/mae-despede-se-do-emprego-para-trabalhar-em-casa-e-cuidar-do-filho-hiperativo/

    Bjinhos. Tudo de bom para si e para os seus.
    Votos de sucesso para o seu blog

    Becas

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  2. A minha Blogger Favorita é a Profissão Mãe <3

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  3. Gosto da Profissão Mãe por isto, sempre directa, sempre verdadeira, fala de assuntos que realmente interessam.
    Adorei a entrevista.

    Ana

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